terça-feira, 26 de outubro de 2010

O Prêmio Nobel de Mario Vargas Llosa



A notícia de que o romancista peruano Mario Vargas Llosa tinha ganho o Prêmio Nobel de literatura me agradou imensamente. O prêmio é um grande empurrão para a liberdade na América Latina. Através de seu gênio literário, prolíficos ensaios e ativismo incansável, Vargas Llosa há muito se estabeleceu como talvez o intelectual público mais conhecido da América Latina, e certamente seu liberal clássico mais famoso. Durante décadas, ele utilizou sua capacidade de atingir as massas para promover os princípios da sociedade livre, tornando-se o maior defensor do capitalismo democrático da região.

Não foi sempre assim. Na década de 60, quando seus primeiros romances surgiram para o reconhecimento mundial, Vargas Llosa era representante do establishment intelectual latino-americano, com a sua admiração pela revolução Cubana e sua defesa de políticas esquerdistas radicais. Mesmo na época, porém, o anti-autoritarismo e uma preocupação com o indivíduo eram temas proeminentes em seus romances. Num exemplo de pensamento independente que caracteriza o compromisso de Vargas Llosa com a verdade, ele terminou rompendo com o establishment intelectual no começo dos anos 70 denunciando vigorosamente a revolução de Fidel Castro e se afastando do estatismo em geral. Sua defesa da liberdade individual, cada vez mais acirrada, foi fortalecida por sua descoberta, na década de 70, do trabalho do laureado pelo Nobel Friedrich Hayek, a quem Vargas Llosa cita como uma das maiores influências intelectuais em seu pensamento (os outros sendo Karl Popper e Isaiah Berlin).

Sendo um comunicador extremamente versátil, Vargas Llosa explorou os problemas sociais mais profundos da América Latina e desmistificou a visão utópica dos líderes demagógicos tão comuns na história latino-americana.

Um dos temas principais de seu romance de 1981, A Guerra do Fim do Mundo, por exemplo, era de que promessas coletivistas de uma vida melhor,  ou de felicidade, só podem terminar em fanatismo – especialmente se várias marcas de coletivismo são jogadas uma contra as outras – precisamente porque a civilização depende da primazia do individual e da consideração estreita do mundo real, em vez da confiança dogmática em ideias abstratas, mas errôneas, de como o mundo poderia funcionar.

Em lugares como a Rússia ou a América Latina, onde há pouca ou nenhuma tradição de liberdade individual e as pessoas confiam pouco nas instituições principais da sociedade, o romancista frequentemente ocupa  um lugar especial, quase divino. Justo ou não, ele é visto como confiável porque suas ideias são próprias e porque ele, de algum modo, conseguiu se manter independente das influências corruptas da sociedade. Isto deu a Vargas Llosa uma posição a partir da qual ele tem regularmente proferido afirmações que instantaneamente provocaram debates e passaram com frequência ao léxico nacional. Em 1990, por exemplo, durante uma visita ao México, ele notoriamente se referiu ao sistema de governo sob a longa administração do partido PRI como a “ditadura perfeita”. Isso escandalizou a classe política e a intelligentsia na maior parte da América Latina, mas qualquer taxista da Cidade do México lhe diria que era absolutamente verdade.

Ano passado, numa conferência organizada em Caracas pelo think tank liberal de mercado CEDICE, numa época em que Hugo Chavez estava radicalizando sua revolução socialista, Vargas Llosa declarou, “Não queremos que a Venezuela se torne um Estado comunista totalitário.” Isso provocou Chavez a desafiá-lo e aos “neoliberais” para um debate televisionado nacionalmente, o que acabou se revelando ser um estratagema do qual Chavez recuou quando Vargas Llosa aceitou o desafio. Vargas Llosa então venceu o debate sem mesmo promovê-lo. O episódio foi bastante divulgado na região e foi um golpe para Chavez, enfatizando a natureza fechada e covarde de seu regime.

Quando Vargas Llosa escreve e fala sobre economia, o efeito é similar, como quando ele explica que, historicamente, o capitalismo nunca existiu na América Latina. Para aqueles que desejam entender como as economias latino-americanas realmente funcionam, e como o livre mercado é o sistema econômico mais compatível com o modo de vida dos latino-americanos, ainda recomendo o prólogo de Vargas Llosa para as primeiras edições do clássico de Hernando de Soto, O Outro Caminho, como uma das declarações mais lúcidas sobre a economia política da região.

Talvez o melhor exemplo da influência de Vargas Llosa na definição das agendas seja em seu nativo Peru. No final dos anos 80, depois que o Presidente Alan Garcia levou o país à ruína, Vargas Llosa decidiu se candidatar à presidência, tendo já mobilizado protestos em massa contra os planos de Garcia de socializar ainda mais o páis. Vargas Llosa articulou uma plataforma de campanha explicitamente libertária, pedindo por reformas de mercado radicais. Ele perdeu a eleição de 1990 para Alberto Fujimori, que executou uma plataforma gradualista e se apoiou em táticas de medo e truques sujos para ganhar o eleitorado.

Mas as ideias de Vargas Llosa venceram. Depois do Chile, o Peru se tornou o país latino-americano que implementou o conjunto de reformas mais radical e abrangente num curto período de tempo. As reformas levaram a um intenso crescimento e se tornaram muito populares. Quando Fujimori anulou a Constituição e fechou o Congresso, Vargas Llosa corretamente criticou o ato e os abusos que se seguiram.

Mas as reformas econômicas a que governos democráticos seguintes aderiram ou aprofundaram transformaram o país, e até o momento, o colocaram como uma história de sucesso na América Latina. Como tal, o Peru está mostrando aos latino-americanos a superioridade da democracia de mercado em oposição ao autoritarismo populista. Não é surpresa que Alan Garcia, o atual presidente do Peru em seu segundo mandato, seja o pior dos rivais de Hugo Chavez. Alan Garcia é agora mais um dos convertidos por Vargas Llosa.

Devo muito a Vargas Llosa, meu conterrâneo. Fui influenciado por ele desde cedo e, quando estudava na Universidade Northwestern durante sua campanha para presidente, sua plataforma libertária orientou meus estudos e contrastava com as palestras dadas por meu professor esquerdista de política Latino-Americana. Sinto-me honrado por Vargas Llosa ter se tornado um amigo, generosamente apoiando os esforços da Cato e ajudando, como sempre, a todos nós que promovemos princípios liberais em toda a região. Através de sua conduta e de suas ideias, ele continua ensinando.

Gracias Mario.

Publicado em  www.imil.org.br

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