terça-feira, 20 de setembro de 2011

Politização: quando o Estado controla tudo


*Dalmacio Negro Pavón

A sociedade moderna acaba com a ação política entendida como autogoverno. A política se converteu em monopólio do Estado e de seus funcionários.

A política em seu sentido amplo e fundamental é, como dizia Oakshott, a custódia de um modo de viver. Mas, tal como se conhece na Europa, a descobriram os gregos como uma forma possível de ação coletiva para resolver ou canalizar os conflitos que possam surgir dentro de um grupo político, mediante o compromisso em lugar da força, e com um fim ético: a consecução do bem comum do mesmo. Por isso, para a tradição política ocidental, até a aparição do Estado e ainda até a Revolução Francesa, a política era parte da ética. A ação política custodiava o ethos, a forma de vida coletiva determinada pela religião, pelas tradições, pelos usos, pelos costumes, sem prejuízo de ser aperfeiçoada respeitando essa sua essência. Em princípio, pois, a política é, uma atividade livre, aberta a todos. A isso respondem as ideias naturais de liberdade política e autogoverno. Mas faz um tempo que a ação política vem sendo monopolizada pelo Estado, que condiciona a liberdade política e destrói o autogoverno. Na realidade, uma das notas características daquele consiste, precisamente, em monopolizar e orientar a atividade política: não há mais liberdades e atividades politicas senão as que o Estado permite e da forma em que as autoriza. Ainda que se queira compensar o monopólio com a participação política, sem embargo, as regras da ação política coletiva as dita igualmente o Estado. Hoje, apesar das aparências, é muito difícil dizer que a política seja uma atividade livre, que exista autêntica liberdade política. Ademais, se confunde, hodiernamente, o bem comum – conceito ético, pois é determinado pelo ethos, conceito capital em que tanto insiste o hoje Bento XVI, Joseph Ratzinger - com o interesse geral ou interesse público; e este é, em definitivo, o interesse do Estado. E como o Estado concentra por definição todo o poder, sua finalidade é o poder (na pratica a finalidade daqueles que usufruem o poder), e sua ética, a do poder. O que o Estado considera seu interesse é, pois, o que determina os fins morais da política.
Por isso, agora não é fácil entender a política. De fato, com a relativa exceção da política exterior na qual os interesses do Estado são, ou deveriam ser, os dos povos ou nações que representam, como aquele se estendeu tanto e se ocupa de tudo, a política se degenerou em politização. Um conflito se torna político quando, não podendo-se solucionar ou balizar mediante o Direito, que seria o normal, alcança um grau tal de intensidade que dificulta ou altera a vida coletiva, a convivência, requerendo-se então a intervenção do Governo para solucioná-lo mediante o Direito. A politização consiste em converter tudo em político, e que tudo esteja mediado pela política. Uma concepção falsa, totalitária, do político – hoje em dia, o Estado -, e da política.
Com efeito, os conflitos políticos são, em princípio, igual que os jurídicos: conflitos de interesses. Mas como o Estado se converteu ele mesmo em um fim ético, não se limita a custodiar a maneira de viver, o ethos social, senão que intervém em tudo, até na vida familiar e na propriedade, que não instituições naturais da sociedade, não políticas, confundindo a política com a ética, cuidando de tudo, politizando tudo. Tudo é político, pois tudo está mediado pela atividade estatal. Esta, sobretudo, quando guiada pelo pensamento ideológico, desnaturaliza as relações sociais naturais, espontâneas, mecanizando-as, ao submetê-las a suas regras jurídicas, a Legislação, que é quase ou mesmo o oposto ao Direito.
Se chegou ao ponto em que os assuntos morais, que são próprios da vida pessoal e da vida social, alheios a política, são regulados pelo Estado a seu alvedrio. O mesmo no que atine à educação, a saúde e outros aspectos da vida. O problema é que esta política totalitária, que desconfia da virtudes do homem individual, do ethos, está desintegrando as sociedades. Pois, ao destruí-las, aumentam a incomunicação social e o individualismo narcisista.
A politização despolitiliza no sentido de que acaba com a política, própria dos homens livres, reduzindo-a a administração burocrática. A desestatificação das relações sociais e a recuperação da política constituem a grande questão social do século XXI, muito mais grave que a do século XIX.

*Dalmacio Negro é membro do Conselho Assessor da Fundação Burke



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