terça-feira, 28 de junho de 2011

TOLERÂNCIA E FANATISMO



 Antonio Millán-Puelles foi Influente professor espanhol de filosofia cristã. Nasceu em Alcalá de los Gazules (Cádiz) em 21 de fevereiro de 1921, e faleceu em Madrid em 22 de maço de 2005. 

Vejamos o argumento que apela o valor da tolerância como contrposta ao absolutismo do fanático. Trata-se de um argumento que chegou a adquirir uma considerável popularidade, e certamente não são poucos aqueles que o vinculam a justificação do pluralismo das ideologias políticas e das confissões religiosas. Em todas as suas manifestações, o argumento implica na crença de que a prática da tolerância é incompatível com a aceitação de valores absolutos que enquanto tais devam ser tomados como retores da convivência. Segundo esta maneira de pensar, para não ser fanático é mister ser relativista; dito de outra maneira, o relativismo é o fundamento teórico – e, nesse sentido, a principal condição de possibilidade – de todo comportamento autênticamente tolerante.

(…)

Se chegou a dizer que é uma lição do relativismo a norma da caridade a respeito dos ideais éticos que não são nossos. Ao falar desse modo se incorre em uma estranha 'personificação' dos ideais éticos, já que se admite, de uma maneira implicita, a possibilidade de tratá-los caritativamente, qual se fossem pessoas, as que, pelo só fato de sua própria indole pessoal, cabe amá-las ou, ao menos, respeitá-las. A consabida frase 'respeito sua opinião, mas não a compartilho' transfere a opinião o que tão só para o opinante pode ter um genuíno sentido. E certamente não é uma falta de caridade nem de respeito o só fato de que uma pessoa discrepe do que outra pessoa pense. Cabe discrepar de um modo respeitoso e até caritativo, e para isso não é necessário de forma alguma que o discrepante seja relativista. E, inversamente, cabe ser relativista e comportar-se de uma maneira incorreta com quem não o é: por exemplo fazendo-lhe objeto da acusação de intolerância ou fanatismo.

(…)

De um ponto de vista estritamente lógico, e abstração feita da diversidade dos graus psicológicos possíveis, há de negar-se que o relativismo possa constituir o fundamento teórico da tolerância, porque não pode deixar de ver nela – se verdadeiramente consequente – um valor relativo, tão relativo como a intolerância e, por isso mesmo, não mais defendível que esta. Ou a tolerância é em si mesma um valor e, por conseguinte, um valor absoluto, do que resulta uma peculiar exigência absoluta em forma de obrigação moral, ou é um valor meramente relativo, e então não há nenhum fundamento objetivo (o relativismo o exclui) para o preferir em detrimento da intolerância.

(...)

O único fundamento possível da tolerância se encontra na necessidade de permitir um mal para impedir outro maior que ele. Esta necessidade é uma exigência absoluta, não relativa ou condicionada, ainda que indubitavelmente se prefira algo que só de um modo relativo (em sentido ontológico, não em acepção gnoseológica) é admissível. O tolerável é sempre um mal (o bom não é tolerado, senão positivamente querido, amado), e um mal é tolerável unicamente na qualidade de mal menor, sendo esta qualidade um valor objetivo, isto é, absoluto ou em si”.


MILLÁN-PUELLES, Antonio. Etica y realismo, ed. Rialp, Madrid 1996, pp. 382-383.
 

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