sábado, 6 de março de 2010

Katyn - Resistente Polônia


Katyn
Diretor: Andrzej Wajda - 2007


Resistente Polônia

A vida do homem transcorre entre a aceitação e a resistência. São dois movimentos da alma que implicam a forma de viver uma identidade e um destino.
Aceitar a verdade é resistir à mentira e vice-versa. Por isso há duas formas de resistência: se pode resistir heroicamente ao mal, e pode se resistir obstinadamente ao Bem. Por isso a só menção da palavra “Resistência” não nos diz nada se não se diz a que se resiste.
Hoje que se lhe da um uso político instrumental orientado pela mentira ou meias verdades, um filme como Katyn vêm deixar bem estabelecido que a resistência da Polônia representa não só uma luta marcada em determinadas circunstâncias históricas, senão que sua resistência segue sendo a da Cristandade ante a barbárie do ateísmo comunista.
Praticamente desde que abraçou a Religião Católica em 966, a Polônia vêm resistindo com determinação para defender sua religião e, com ela, sua mesma existência como nação, atada a sua identidade católica. Terra localizada como uma muralha ante a maré da impiedade que vêm do oriente, a Polônia, que tem dado mártires que fertilizaram sua terra com a devoção a Maria e a fidelidade ao Papado, jamais – até o ultimo confronto mundial – havia entrado em guerra senão para a defesa da religião (Cfr. Polonia en la Cristiandad, Una mirada sobre mil años de historia, Walerian Meysztowicz, Ediciones del Águila Coronada, 1987).
Mostrar que não só estava em jogo a política na Segunda Guerra, senão principalmente outra coisa, é um dos maiores méritos deste filme. É mostrar a alma de um povo manifestando-se na lealdade ao seu próprio ser, esse que só pode perder-se caso perda a verdadeira identidade católica, cuja resistência acontece hoje ante o avassalador modernismo instalado oficialmente na Igreja com o Vaticano II.
A estatuária católica na vida dos polacos, cobra neste caso maior relevância e sentido simbólico, e não aparece já como simples atavio ou comentário a margem (como em algum outro filme de Wajda), posto que, se o cinema deste autor não costuma ter uma clara cosmovisão católica da vida, a magnitude e historicidade do que conta, o levam a um terreno onde necessariamente o transcendente tende a ser mais explicito.
Vejamos mais detalhadamente o que é e o que não é Katyn, e sua forma de ser conseqüente com o supradito.
Já conhecida a história que narra o filme, os fatos históricos que nunca se quiseram admitir ou se impediram contar e mostrar cabe perguntar-se, se Katyn é um filme “historicista” ou “contista”, isto é, têm apenas o objetivo de contar um acontecimento histórico e ao fazê-lo deixa que este propósito submirja a realização artística na mediocridade? Descuida o diretor a beleza do que tem nas mãos para fazer um filme panfletário ou propagandista? O fundo se alça em detrimento da forma? Em definitivo, o mais importante é passar uma “mensagem”? A resposta a tudo isso é: Não, tudo o contrário. Porque se é evidente o desejo e a necessidade trazer à luz os fatos históricos, o filme não se limita a isso. Wajda, às vezes incorreu em seu cinema em um excesso de “expressão” em detrimento da narração onde talvez o traiu aquilo que sintetizava Bresson assim: “Idéia vácua de “cinema de arte”, de “filmes de arte”. Filmes de arte: as mais carentes de arte” (claro que se Wajda caiu nisso por excesso, precisamente Bresson caiu mais ostensivamente nesse erro por defeito). Mas Wajda, repetimos, se esquiva destes deslizes em Katyn, fundamentalmente por três motivos:


Os Arquétipos:

O filme conta um fato histórico, mas dentre dele a história de alguns personagens que, em sendo indivíduos em tais circunstâncias, são também arquétipos (dai que possuem apenas nomes, não sobrenomes) de quem sofrem imersos em um drama que os colocam a prova na luta por conservar uma identidade, uma forma de vida, uma religião, uma pátria, uma família. Wajda conhece bem aquilo que mostra, a dinâmica das emoções de seus personagens, a verdade que se reflete melhor que nas estatísticas nos rostos, na angustia, na esperança, nos “sofrimentos individuais”, como ele mesmo disse.
Wajda apresenta com intensidade e força, sem cair em golpes baixos nem na atitude “vitimista” que conhecida em quase tido cinema político, o drama da pátria polaca através de seus homens e mulheres, dos oficiais e intelectuais, das esposas e mães, filhas e irmãs, transtornados pela dupla invasão alemã e soviética e impotentes ante a mesma. Os soldados, preparados para lutar, devem, no entanto, aprender algo mais difícil, ao encontrarem-se prisioneiros: a resistência passiva, a luta interior. As mulheres, habituais companheiras daqueles, devem resistir na solidão, fustigadas pela lembrança e a incerteza. O vínculo intangível do amor, não o ódio, é o que, posto a prova, sustenta os personagens em sua luta cotidiana. A ausência dos homens é também a ausência da pátria, o sofrimento das mulheres é o sofrimento da pátria.
Dessa pátria que finalmente se decide no gesto final dos homens ante a morte.


O Religioso:

O filme supera a literalidade dos fatos e da forma de mostrá-los porque o diretor lhe outorga um valor que o transcende. Esse valor é o do religioso, e seu método é o símbolo.
Desde o começo advertimos a identificação entre Polônia e o catolicismo. A primeira coisa que observamos ao chegar a mulher que busca seu esposo entre os feridos, ali por onde marchou o exército vermelho, é a ausência de Cristo em um crucifixo quebrado. Quase de imediato o descobrimos entre os mortos e feridos, assistidos por um sacerdote. Se Jesus Cristo é a primeira vitima é porque o ódio comunista se dirige em primeiro lugar a Ele (“Deus é o inimigo pessoal da sociedade comunista” dizia Lênin em uma carta a Gorki). E se o padre lhe da a extrema-unção como aos outros não é porque Nosso Senhor a necessite, senão porque Nele estão representados todos aqueles a quem não poderá assistir, aqueles desconhecidos “pobres Cristos” que caíram sobre o furor da besta desatada.
A presença da oração, dos cânticos, do rosário entre os oficiais prisioneiros confinados em um antigo monastério ortodoxo, distingue uma elite de homens valorosos, patriotas e insubmissos que por isso mesmo, Stalin decidiu os aniquilar.
Memorável e emotiva a cena final, felicidade e saúde das almas que, ainda que em meio ao horror e ao medo, se entregam a vontade de Deus.
O sentido sacrifical conferido a estes homens se vê mais claramente no capitão Andrzej, que leva acima do uniforme um pulôver de lã branca que não lhe pertence, como o cordeiro que se entrega mansamente e derrama seu sangue pela Polônia (recorde-se: poderia ter escapado quando sua esposa o foi buscar, e decidiu ficar).
Mas também onde está Cristo há um Judas, neste caso o amigo que na prisão lhe dá seu pulôver. Este é o único que sobreviverá ao grupo, somando-se ao exército de ocupação; finalmente, presa do remorso, acabará como o primeiro traidor.



O trágico:

Também a vinculação com a tragédia dota a história e aos personagens de um conteúdo universal e perene. O substrato mítico conferido pelo trágico evita que o filme caia no historicismo.
As duas irmãs do aviador que jaz nas fossas de Katyn, Agnieszka e Irene, revivem o terrível conflito das irmãs Antígona e Ismene da tragédia de Eurípedes. As duas representam duas formas de afrontar a vida cotidiana durante a ocupação soviética. Agnieszka não pode suportar viver na mentira, nem que seu irmão não tenha um tumulo. Poderia dizer como Antígona, sobre o invasor: “Não lhe é possível separar-me dos meus”, ou, já definitivamente julgada por acometer seu plano: “Eu não lhe enterrarei. Belo será morrer fazendo-o”. Sua irmã Irene, em troca, resignada como Ismene (“Não é conveniente perseguir desde o principio o impossível”), mostra a impotência de quem deseja e não pode seguir vivendo em uma situação incomoda e onde a prudência a imprudência, a frontalidade e o dissimulo, a verdade e a mentira exigem distintas decisões, onde possui papel importante a idade e o temperamento. Por isso os mais jovens, com sua natural impaciência, não podem conter-se e se lançam impulsivamente a uma resistência ativa, como o jovem sobrinho de Anna que morre rapidamente. E em tudo isso sempre marcando a vida a impossibilidade de viver em paz sem a verdade. (Com base no dito anterior, alguém que tenha assistido ao filme em mais de uma oportunidade e em uma melhor projeção que nós, nos aponta que quando a irmã do aviador sai do teatro onde vendeu seu cabelo, pode ver-se um cartaz indicador da obra de “Antígona”, que ali representa, detalhe não advertido por nós. O que pode querer dizer duas coisas: ou que Wajda substima o espectador, incapaz de advertir a analogia sem o correspondente anuncio; ou que Wajda pretende que o espectador compreenda que a tragédia não está somente dentro de uma sala, senão que nas ruas mesmas da Polônia. Como seja, a inclusão do cartaz teatral – que agora advertimos ao ver novamente o filme – nos parece redundante).
Estes episódios conformam a parte central do filme, que então parece diluir-se ante a irrupção de personagens desconhecidos até ali. A forçada passagem do tempo na história favorece tal descenso na curva dramática do filme.
Se tais profundezas se fazem presentes nas grandes obras literárias, não ocorre o mesmo – nem deve ocorrer – no cinema. Não obstante, esse aparente abandono da trama principal traduz o desassossego das mulheres que assumiram em suas vidas e em suas relações cotidianas esse corte abrupto.
O que virá será decisivo e, finalmente, revelador. Wajda tem o mérito de não querer fazer com seu filme um espetáculo, nem com sua história de amor cair no sentimentalismo habitual em diretores como Spilberg, Eastwood ou Cameron de Titanic.
Com suma consideração e austeridade revela os fatos centrais do filme, mediante o recurso excelente de revelar isso que se tema, se suspeita e se oculta, ao final do filme, porque isto é o que vai ficar gravado no espectador, o que e se leva primeiro ao sair do cinema ou terminar de ver o filme na comunidade de seu lar. Depois disso não há inibição para negar-se a ver o que deve ser visto. Aquilo que ainda que se queira cobrir sobre uma montanha de terra e sobre um manto cúmplice de silencio, ao fim sai à superfície, para além dos homens e dos tempos, porque sua luz brilha nas trevas.

Flávio Mateus (Videoteca Reduco - http://www.videotecareduco.blogspot.com/)


Poster eslovaco sobre o massacre de Katyn







Fotos do Massacre

Um comentário:

  1. Muito interessante,

    E as fotos são chocantes, fico a pensar no em quantas pessoas deram suas vidas pela fé Católica e foram esquecidos. Em contra partida os judeus transformaram a Shoá em dogma,incotenstável. Enquanto os Católicos mortos pelos comuistas, nazistas e tantos outros, são esquecidos na história.

    Pax et bonvs!
    Jefferson Nóbrega

    ResponderExcluir