quarta-feira, 10 de março de 2010

Homilia do Padre Paulo Ricardo a respeito do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3).


Homilia pronunciada no dia 31/01/2010, pelo Padre Paulo Ricardo* a respeito do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). O decreto pretende impor à Nação e aos Brasileiros que nele vivem, políticas desumanas e incompatíveis com o cristianismo. Trata-se de um instrumento para a criação de uma “nomenklatura”, uma casta de dirigentes alinhada com a ideologia governante e que, na prática, exclui os verdadeiros cristãos do aparato de governo.

Meus queridos irmãos e irmãs eu costumo sempre fazer a homilia a respeito do Evangelho, porém, o  missal permite que se faça a homilia a respeito de alguma necessidade da comunidade. Será o caso da homilia de hoje.
Nós vivemos em um tempo de graves e sérias mudanças em nosso país. Já no apagar das luzes do ano de 2009 o presidente da república assinou um decreto de um Plano de Desenvolvimento dos Direitos Humanos. O decreto é muito extenso, várias paginas, o português é jurídico, difícil de leitura, mas o que o decreto faz é o seguinte:
Ele cria duas categorias de cidadão, existe agora, a partir do Decreto de Sua Excelência o Presidente, dois tipos de brasileiros, aqueles que podem ser funcionários públicos e não são cristãos, e aqueles que são cristãos e são cidadãos de segunda categoria. Essa é a conseqüência desse decreto.
O decreto quer colocar algemas nos cristãos e tornar o cristianismo nesse país praticamente ilegal.
Porque através desse decreto nenhum funcionário público pode ser contra o aborto, nenhum funcionário público pode ser contra o casamento de pessoas do mesmo sexo, nenhum funcionário público pode ser contra invasões despropositadas de terra. Nenhum funcionário público pode ser contra a lei e aquilo que é a política do governo de retirar de todos os locais públicos símbolos religiosos.
Este decreto do presidente da república cria cidadãos de 02 (duas) categorias aqueles que poderão ser funcionários públicos, se forem cristãos, serão cristãos com as mãos atadas; cristãos de amarras, algemas, mordaça...
O senhor presidente da república decretou que ninguém pode ser cristão e servir este país. A gravidade desse decreto, a gravidade desta decisão não está minimamente à altura do barulho que nós ouvimos na mídia e do barulho que nós ouvimos feito pelos senhores bispos do Brasil, que graças a Deus estão protestando, mas não estão protestando com a veemência que deveriam protestar.
Estamos vendo a instauração dos pressupostos de uma futura ditadura! Para que haja uma ditadura é necessário que haja uma nomenklatura, ou seja, um grupo de burocratas fidelíssimos que implantem essa mordaça na população, é assim que se faz uma ditadura.
É necessário que a Igreja Católica erga sua voz contra esta infâmia que Clama aos Céus. Se algum padre ou algum bispo pretende ser prudente e guardar o silêncio, eu não guardarei! Porque não quero entrar para a história como os bispos que covardemente não levantaram a voz quando Hitler começou a governar a Alemanha em 1933.
Meus irmãos, Hitler foi eleito democraticamente. E levou 6 (seis) anos para que ele finalmente fizesse um ato de guerra e invadisse a Polônia, durante estes 6 anos enquanto ele ia tomando o poder gradualmente e abolindo a democracia na Alemanha, pouquíssimos foram os bispos valorosos, tementes a Deus, que ergueram a sua voz para protestar contra esse tipo de desmando.
Não estou acusando o senhor Presidente da República de genocídio nazista e nem de ser um outro Hitler. Eu só estou fazendo um paralelo na história e dizendo que é vergonhoso que bispos e padres não estejam à altura do seu povo e de suas ovelhas e levantem a voz quando a falta de respeito pela população brasileira se torna clamorosa, infame, desavergonhada!
94% dos brasileiros são contra o aborto! E, no entanto esta corja de patifes que nos governa quer a todo custo implantar o aborto custe o que custar. Tentaram através de lei no congresso não conseguiram, agora, então, tentam através de decreto, para que então só haja funcionários do governo que se calem, amordaçados, e sejam punidos com atos administrativos aqueles que não seguirem a cafagestagem desta tirania que está abolindo com a democracia no Brasil.
Meus irmãos; é necessário que nós cidadãos e cristãos não fiquemos indiferentes. Eles irão repetir a ladainha de sempre de que a nossa religião é um fato privado e que ninguém deve usar a sua religião para colocar as políticas públicas. O problema é o seguinte, o ateísmo também é uma atitude religiosa, o ateísmo também é uma religião, o ateísmo também é uma forma de se relacionar com o fato religioso. Uma minoria de ateus desavergonhados quer amordaçar a maioria dos cristãos deste país. Eles dizem que ficam ofendidos com a presença de crucifixos nos nossos tribunais, e eu digo que fico ofendido com uma parede vazia no tribunal. Porque uma parede vazia num tribunal é também uma atitude religiosa, porque viver como se Deus não existisse também é uma atitude religiosa, porque, impedir os cristãos deste país de longa tradição cristã, 5 (cinco) séculos de cristianismo, de manifestarem publicamente a sua religião porque um grupelho de ateus imorais não quer ver a nossa piedade e a nossa religião é algo simplesmente inaceitável, é algo diante do qual nós não podemos nos calar.
Como pastor de almas, eu preciso dizer isto. Eu preciso dizer que não irei me calar diante de uma política do governo que quer implantar o aborto custe o que custar. Porque eu não quero carregar na minha consciência a mortandade de milhões de crianças que se seguirá a esta política genocida. Como pastor eu devo erguer a minha voz contra um governo que quer a todo custo equiparar o casamento heterossexual único e indissolúvel a uma união de pessoas do mesmo sexo, isto é uma afronta, isso é um insulto!
Nós não podemos dizer que o ato sexual homossexual tem a mesma dignidade do ato sexual heterossexual, meus irmãos todos nós nascemos de um ato sexual heterossexual, da união de um homem e de uma mulher. Todos nós devemos à santidade e a grandeza do sexo entre um homem e uma mulher a nossa existência. O que é que um homem com homem pode produzir, além de excrementos? O que é que uma mulher e uma mulher podem produzir? Absolutamente nada! A esterilidade destes atos sexuais não pode ser equiparada à grandeza e a fertilidade dos atos que Deus quis e planejou, que é o ato entre um homem e uma mulher. E a Igreja Católica não pode, não deve e se Deus quiser não irá se calar diante desta perversão.
Nós não estamos querendo colocar nenhum homossexual na cadeia, como eles, aliás, querem me colocar na cadeia, e a você também se você abrir o bico. Porque já existe no congresso tramitando uma lei, PL 120 (nota: trata-se do PLC 122/2006), que pretende punir como crime inafiançável qualquer ato de discriminação contra pessoas que advogam o sexo com o mesmo sexo. Eu não quero colocar nenhum homossexual na cadeia, enquanto houver sociedade cristã os homossexuais continuarão tendo o direito civil de ter as relações sexuais que quiserem sem ser ameaçados com a cadeia. Mas por favor, não queiram calar a nossa boca e não queiram nos obrigar a achar tudo isso muito bonito e decente.
Uma coisa é um crime, outra coisa é um pecado. O homossexualismo não é um crime, mas é um pecado! Porque não está no projeto de Deus, porque Deus não o quis. Todo homossexual enquanto os valores cristãos guiarem o nosso país, todo homossexual terá todo o direito de sê-lo, de ser homossexual o quanto quiserem e de fazer os atos sexuais que quiserem, mas não queiram que os elogiemos por isto, não queiram que nós achemos tudo isso muito santo e decente porque a palavra de Deus nos proíbe. Criminalizar esta minha opinião é criminalizar o cristianismo. Este PL 120 (nota: trata-se do PLC 122/2006) está simplesmente pretendendo criminalizar o cristianismo.
Vocês sabem que já está em vigor esta realidade no nosso país, não através de lei, mas através de jurisprudência. Aconteceu em Fortaleza que uma igreja evangélica, quis, pagou, e colocou outdoors na cidade, cartazes com versículos bíblicos e nada mais. Os versículos da Bíblia que dizem que o homossexualismo é um pecado, simplesmente “a frase da bíblia”, a citação, só isso. Um grupo do movimento dos direitos dos homossexuais entrou com uma ação contra esta Igreja e o juiz mandou retirar os cartazes. Vocês sabem o que é isso? Isso significa que o cristianismo no nosso país já é um crime, para alguns juízes já é um crime, para alguns juízes ter a opinião da bíblia é um crime. E assim eles vão instalando esse tipo de aberração no nosso país.
Querem que nós aceitemos o apoio total e irrestrito destes grupos de facínoras que invadem as terras e que tomam conta das áreas produtivas do nosso país para não produzirem absolutamente nada. Este bando de cafajestes chamado MST é o maior latifundiário deste país, entretanto não produzem uma banana. Porque o que querem é destruir simplesmente a nossa sociedade, a eles não interessa minimamente a produção, a eles não interessa minimamente aquilo que seja a ordem, aquilo que seja uma democracia.
Nosso governo que exige de todos nós todo tipo de documento, para sequer comprarmos na farmácia ao lado uma cápsula de aspirina, não exige um documento sequer do MST para despejar milhões de reais nessa organização criminosa. Não sei se os senhores sabem, mas o MST não existe juridicamente, eles não têm sequer um CNPJ, não existe a pessoa jurídica, não existe a firma MST, e mesmo sem, mesmo estando irregulares eles recebem milhões de reais todos os anos, do nosso governo, e o país adormentado, assiste a instauração de uma ditadura, e a perversão da ordem do nosso país.
Nós não podemos permanecer calados diante disso, Clama aos Céus este ato. Que um presidente da república seja irresponsável o suficiente de dizer que assinou este decreto sem ler, em qualquer país civilizado seria suficiente para um impeachment, para que ele já tivesse sido estromesso (Nota: deposto) do palácio do planalto. Que um homem assine um decreto desta enormidade, e diga que nem sequer leu, é de uma cara de pau tão grande, que nós não podemos sequer sonhar com uma coisa dessas. Como, senhor presidente, o senhor não leu, se todas estas cláusulas que o senhor acaba de assinar estava no seu plano de governo quando o senhor se candidatou pela primeira vez em 2002?
Infelizmente o nosso país elege presidentes não pelos seus planos de governo, mas elege presidente pelas propagandas eleitorais. Propaganda aceita tudo, (com) propaganda se faz aquilo que se quer. Infelizmente, infelizmente esta minha homilia não pode ser classificada como propaganda eleitoral para um outro partido. Porque infelizmente os outros possíveis e prováveis candidatos de outros partidos têm o mesmo desgraçado plano de governo.
Nós podemos nas próximas eleições ir votar e eleger, e escolher entre: lúcifer, satanás, belzebu, o diabo e o capeta. Porque tudo será, no final, a mesma coisa. Porque se o Lula defende isso, a Dilma também o defende, o Serra também o defende, e mais todo o resto da corja que quer se candidatar a presidente da república. Não existe partido, não existe partido que numericamente seja representativo, que esteja realmente representando a opinião do povo brasileiro. Infelizmente, infelizmente, os senhores congressistas, infelizmente os cargos que nós temos no executivo, e infelizmente também o judiciário, estão todos pela ocupação de espaço, pela política da ocupação de espaços, estão todos alocados para pessoas revolucionárias, anti-cristãs de esquerda.
Esta é a situação deste país. Esta é a nossa situação. Agora não esperem os métodos de Hitler, porque hoje em dia não se faz mais ditadura com derramamento de sangue, hoje em dia as ditaduras são feitas por revoluções de veludo, como este decreto que nós acabamos de assistir. As revoluções de veludo que vão, lenta e gradualmente, comendo os direitos democráticos sem que sequer as pessoas notem isso. Sequer as pessoas estão notando a demência que é pedir de um funcionário público que ele professe a fé no credo do governo e do partido governante. Isto jamais existiu numa democracia. Nós estamos sendo governados por uma ideologia que tem a sanha do poder. Eles não irão parar por aí. Se nós - nós - não fizermos ouvir a nossa voz infelizmente não existe nenhum movimento organizado para rebater isto tudo. Então o que podemos fazer de concreto? O que podemos fazer agora é abrir os olhos das pessoas para o que está acontecendo.
Para que isto um dia se torne um movimento. Para que isto um dia se torne um movimento de cristãos e não-cristãos, amantes da democracia que queiram deter esta raça de gente, esta raça de mal-feitores que desgraçadamente nos governa. Que Deus tenha piedade do nosso país!
Quero concluir esta homilia, recordando, porém, a providência de Deus, não para que nós fiquemos de braços cruzados não é isso. Mas para que não nos desesperemos. Deus está conosco e se Deus está conosco quem será contra nós? Nós podemos e devemos articular a nossa ação política para que como cidadãos tenhamos direito de existir como cristãos.
Meus irmãos eu não estou fazendo campanha de nenhum partido político, porque infelizmente eu os detesto a todos. Porque todos, todos, sem exceção são cúmplices desta enormidade que nós estamos assistindo. Não estou dizendo votem em fulano, em beltrano e sicrano, eu estou dizendo: Vamos acordar!
Deus está conosco. Deus é por nós. Mas se Deus é por nós, nós precisamos também ser por Deus. Deus está do nosso lado e nos defende. Mas nós também precisamos nos acordar. E realizar atos corajosos de protesto. Espero em Deus nosso Senhor que padres e bispos do nosso país, lideranças leigas, acordem para estes fatos e nós possamos assim, em período breve, organizar marchas pela liberdade. Não a favor de nenhum partido político, marchas pela liberdade simplesmente dizendo que nós não estamos de acordo a que os políticos no congresso nacional simplesmente estejam moucos (Nota: surdos) à voz da população.
Infelizmente do outro lado eles são bem informados, eles tem militância, eles tem constância, eles são aguerridos. Do nosso lado nós não temos militância nenhuma, então não adianta agora querermos conclamar nada. Precisamos primeiro tomar consciência, precisamos primeiro nos inquietar, para que depois, uma vez que haja uma população inquietada, possamos fazer uma manifestação pública, porque se eles não ouvem a voz de Deus e a voz da Moral, pelo menos a voz do voto de milhões de insatisfeitos eles irão ouvir!

* Padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior pertence ao clero da Arquidiocese de Cuiabá (Mato Grosso – Brasil) e, desde 1996, é reitor do Seminário Cristo Rei, de Cuiabá.
Nasceu no dia 7 de novembro de 1967 e foi ordenado sacerdote no dia 14 de junho de 1992, pelo Papa João Paulo II. É bacharel em teologia e mestre em direito canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma). Atualmente, leciona nos cursos de Filosofia e Teologia.
Desde 2002, a Santa Sé o nomeou membro do Conselho Internacional de Catequese (Coincat), da Congregação para o Clero. (Currículo retirado do site do próprio Revdo. Pe, no endereço eletrônico: < http://www.padrepauloricardo.org/site/?page_id=2>).


Transcrição feita na integra pelo senhor Luiz Henrique Dezen Ramos.


segunda-feira, 8 de março de 2010

O monge e o passarinho*

Diálogo entre um religioso e um secular

Secular — Já que me sucedeu caminhar em tão boa companhia, hei de aproveitar a ocasião e perguntar alguns pontos que desejava saber.

Religioso — Folgarei eu de poder servir a Deus, e prestar ao próximo em alguma coisa.

S. — Padre: Para que Deus criou o homem?
R. — Para que o homem se salvasse, e salvando-se, lhe desse glória no Céu eternamente.
S. — E que coisa é salvar-se?
R. — É ver a Deus claramente, como ele é em si mesmo, gozar dele, amá-lo e louvÁ-lo para sempre.
S. — Pois Deus tem corpo, ou figura, ou cor alguma para o podermos ver?
R. — Deus é puro espírito: assim como os Anjos e as nossas almas também são espíritos. E por isso, nem os Anjos, nem as nossas almas tem cor, ou figura, que se possa ver com os olhos do corpo. Porém, o vermos a Deus não é senão com os da alma, que é outra vista muito mais clara e nobre.
S. — Para que são logo os olhos do corpo, ou em que se hão de empregar, quando estivermos no Céu?
R. — Não lhes faltará que ver. Verão a Humanidade Santíssima de Cristo, cuja formosura excede sem comparação à de todas as coisas visíveis. Verão todos os mais Santos bem-aventurados, cada um dos quais resplandece mais que o Sol, e todos juntos postos por sua ordem, formam um espetáculo admirável, e deleitosíssimo. Verão o formosíssimo palácio do Céu Empíreo, com cuja grandeza comparado o Céu estrelado não vem a ser mais que um breve pontinho que desaparece. Verão todas as mais esferas celestes, sua fábrica, ornato e grandeza. E verão também toda a redondeza da terra com a nova formosura, que há de ter depois do dia do juízo. Ó quem nos dera já logrado este estado.
S. — E por quanto tempo hão de ver a Deus os venturosos que se salvam?
R. — Já disse que para sempre, em quanto o mesmo Deus for Deus: Considerais bem este para sempre, para sempre, e pasmareis da Bondade de Deus, que tal prêmio promete, e do descuido dos homens, que tal felicidade não estimamos e procuramos.
S. — Tanto tem Deus que ver? E tanto que ser amado, e louvado que hão de estar as almas ocupadas nisto sempre, sempre sem cansarem.
R. — Filho: os bens e gostos do mundo, uns mais, outros menos, todos finalmente enfastiam e cansam, porque em si são limitados, e o homem não é feito para eles. Porém, a formosura de Deus é infinita: suas perfeições, excelências e grandezas não têm limite. E assim, ainda que houvera infinitos Anjos e almas bem-aventuradas, nunca por toda a eternidade acabariam de compreender tão grande bem, nem cansariam de o amar, e louvar, especialmente sendo os Anjos e os homens criados para o logro deste bem. E senão, dizei-me vós: a pedra por ventura cansa de estar quieta, e assentada sobre o seu centro? Não, por certo: porque esse é o seu lugar próprio, e aí se acha bem. Sendo, pois, a vista de Deus o centro das nossas almas, e o seu lugar próprio, onde se acham sumamente ditosas: que muito que não cansem de ver a Deus, e por conseguinte de o amar, e louvar eternamente? Para que esta verdade se vos faça mais crível, vos contarei um exemplo, que trazem graves Autores.

Estando um Monge em Matinas com os outros Religiosos do seu Mosteiro, quando chegaram aquilo do Salmo, onde se diz que mil anos à vista de Deus são como o dia de ontem, que já passou, admirou-se grandemente, e começou a imaginar como aquilo podia ser. Acabadas as matinas, ficou em Oração, como tinha de costume: e pediu afetuosamente a Nosso Senhor se servisse de lhe dar inteligência daquele verso. Apareceu-lhe ali, no coro, um passarinho, que cantando suavíssimamente, andava diante dele dando voltas de uma para a outra parte, e deste modo o foi levando pouco a pouco até um bosque que estava junto do Mosteiro, e ali fez seu assento sobre uma árvore; e o servo de Deus se pôs debaixo dela a ouvir. Dali a um breve intervalo (conforme o Monge julgava) tomou o vôo e desapareceu com grande mágoa do servo de Deus, o qual dizia mui sentido: Ó passarinho da minha alma, para onde te fostes tão depressa? Esperou. Como viu que não tornava, recolheu-se para o Mosteiro, parecendo-lhe que aquela mesma madrugada depois de Matinas tinha saído ele. Chegando ao Convento, achou tapada a porta, que de antes costumava servir, e aberta outra de novo em outra parte. Perguntou-lhe o Porteiro quem era, e a quem buscava. Respondeu-lhe: Eu sou o sacristão, que poucas horas há que saí de casa, e agora torno, e tudo acho mudado. Perguntado também pelos nomes do Abade e do Prior, e Procurador, ele lhos nomeou, admirando-se muito de que não o não deixasse entrar no Convento, e de que mostrava não se lembrar daqueles nomes. Disse-lhe que o levasse ao Abade: e posto em sua presença, não se conheceram um ao outro; nem o Monge sabia que dissesse, ou fizesse, mais que estar confuso e maravilhado de tão grande novidade. O Abade então, iluminado por Deus, mandou vir os Anais e histórias da Ordem: onde, buscando, e achando os nomes que o Monge apontava, se veio a averiguar com toda a clareza que eram passados mais de trezentos anos desde que o Monge saíra do Mosteiro até que tornara para ele. Então, este contou o que lhe havia sucedido, e os Religiosos o aceitaram como o Irmão seu do mesmo hábito. E ele, considerado na grandeza dos bens eternos, e louvando a Deus por tão grande maravilha, pediu os Sacramentos, e brevemente passou desta vida com grande paz no Senhor.

Este é o exemplo. Vede agora, que se a música de um passarinho pôde entreter aquele Monge trezentos anos com tanto gosto seu, que lhe pareceram poucas horas, e ainda desejasse que durasse mais: como não bastará a vista de Deus, que é um bem onde se encerram juntos infinitos bens, para suspender a nossa alma sem fastio, nem cansaço, por toda eternidade? Antes, com satisfação, e gozo tão cabal, como se naquele instante começasse a ver a Deus.

(trecho de O Pão Partido em Pequeninos, do Pe. Manuel Bernardes.)


[*] N. da P.: O título deste texto é de nossa autoria. (http://www.permanencia.org.br/)

sábado, 6 de março de 2010

Katyn - Resistente Polônia


Katyn
Diretor: Andrzej Wajda - 2007


Resistente Polônia

A vida do homem transcorre entre a aceitação e a resistência. São dois movimentos da alma que implicam a forma de viver uma identidade e um destino.
Aceitar a verdade é resistir à mentira e vice-versa. Por isso há duas formas de resistência: se pode resistir heroicamente ao mal, e pode se resistir obstinadamente ao Bem. Por isso a só menção da palavra “Resistência” não nos diz nada se não se diz a que se resiste.
Hoje que se lhe da um uso político instrumental orientado pela mentira ou meias verdades, um filme como Katyn vêm deixar bem estabelecido que a resistência da Polônia representa não só uma luta marcada em determinadas circunstâncias históricas, senão que sua resistência segue sendo a da Cristandade ante a barbárie do ateísmo comunista.
Praticamente desde que abraçou a Religião Católica em 966, a Polônia vêm resistindo com determinação para defender sua religião e, com ela, sua mesma existência como nação, atada a sua identidade católica. Terra localizada como uma muralha ante a maré da impiedade que vêm do oriente, a Polônia, que tem dado mártires que fertilizaram sua terra com a devoção a Maria e a fidelidade ao Papado, jamais – até o ultimo confronto mundial – havia entrado em guerra senão para a defesa da religião (Cfr. Polonia en la Cristiandad, Una mirada sobre mil años de historia, Walerian Meysztowicz, Ediciones del Águila Coronada, 1987).
Mostrar que não só estava em jogo a política na Segunda Guerra, senão principalmente outra coisa, é um dos maiores méritos deste filme. É mostrar a alma de um povo manifestando-se na lealdade ao seu próprio ser, esse que só pode perder-se caso perda a verdadeira identidade católica, cuja resistência acontece hoje ante o avassalador modernismo instalado oficialmente na Igreja com o Vaticano II.
A estatuária católica na vida dos polacos, cobra neste caso maior relevância e sentido simbólico, e não aparece já como simples atavio ou comentário a margem (como em algum outro filme de Wajda), posto que, se o cinema deste autor não costuma ter uma clara cosmovisão católica da vida, a magnitude e historicidade do que conta, o levam a um terreno onde necessariamente o transcendente tende a ser mais explicito.
Vejamos mais detalhadamente o que é e o que não é Katyn, e sua forma de ser conseqüente com o supradito.
Já conhecida a história que narra o filme, os fatos históricos que nunca se quiseram admitir ou se impediram contar e mostrar cabe perguntar-se, se Katyn é um filme “historicista” ou “contista”, isto é, têm apenas o objetivo de contar um acontecimento histórico e ao fazê-lo deixa que este propósito submirja a realização artística na mediocridade? Descuida o diretor a beleza do que tem nas mãos para fazer um filme panfletário ou propagandista? O fundo se alça em detrimento da forma? Em definitivo, o mais importante é passar uma “mensagem”? A resposta a tudo isso é: Não, tudo o contrário. Porque se é evidente o desejo e a necessidade trazer à luz os fatos históricos, o filme não se limita a isso. Wajda, às vezes incorreu em seu cinema em um excesso de “expressão” em detrimento da narração onde talvez o traiu aquilo que sintetizava Bresson assim: “Idéia vácua de “cinema de arte”, de “filmes de arte”. Filmes de arte: as mais carentes de arte” (claro que se Wajda caiu nisso por excesso, precisamente Bresson caiu mais ostensivamente nesse erro por defeito). Mas Wajda, repetimos, se esquiva destes deslizes em Katyn, fundamentalmente por três motivos:


Os Arquétipos:

O filme conta um fato histórico, mas dentre dele a história de alguns personagens que, em sendo indivíduos em tais circunstâncias, são também arquétipos (dai que possuem apenas nomes, não sobrenomes) de quem sofrem imersos em um drama que os colocam a prova na luta por conservar uma identidade, uma forma de vida, uma religião, uma pátria, uma família. Wajda conhece bem aquilo que mostra, a dinâmica das emoções de seus personagens, a verdade que se reflete melhor que nas estatísticas nos rostos, na angustia, na esperança, nos “sofrimentos individuais”, como ele mesmo disse.
Wajda apresenta com intensidade e força, sem cair em golpes baixos nem na atitude “vitimista” que conhecida em quase tido cinema político, o drama da pátria polaca através de seus homens e mulheres, dos oficiais e intelectuais, das esposas e mães, filhas e irmãs, transtornados pela dupla invasão alemã e soviética e impotentes ante a mesma. Os soldados, preparados para lutar, devem, no entanto, aprender algo mais difícil, ao encontrarem-se prisioneiros: a resistência passiva, a luta interior. As mulheres, habituais companheiras daqueles, devem resistir na solidão, fustigadas pela lembrança e a incerteza. O vínculo intangível do amor, não o ódio, é o que, posto a prova, sustenta os personagens em sua luta cotidiana. A ausência dos homens é também a ausência da pátria, o sofrimento das mulheres é o sofrimento da pátria.
Dessa pátria que finalmente se decide no gesto final dos homens ante a morte.


O Religioso:

O filme supera a literalidade dos fatos e da forma de mostrá-los porque o diretor lhe outorga um valor que o transcende. Esse valor é o do religioso, e seu método é o símbolo.
Desde o começo advertimos a identificação entre Polônia e o catolicismo. A primeira coisa que observamos ao chegar a mulher que busca seu esposo entre os feridos, ali por onde marchou o exército vermelho, é a ausência de Cristo em um crucifixo quebrado. Quase de imediato o descobrimos entre os mortos e feridos, assistidos por um sacerdote. Se Jesus Cristo é a primeira vitima é porque o ódio comunista se dirige em primeiro lugar a Ele (“Deus é o inimigo pessoal da sociedade comunista” dizia Lênin em uma carta a Gorki). E se o padre lhe da a extrema-unção como aos outros não é porque Nosso Senhor a necessite, senão porque Nele estão representados todos aqueles a quem não poderá assistir, aqueles desconhecidos “pobres Cristos” que caíram sobre o furor da besta desatada.
A presença da oração, dos cânticos, do rosário entre os oficiais prisioneiros confinados em um antigo monastério ortodoxo, distingue uma elite de homens valorosos, patriotas e insubmissos que por isso mesmo, Stalin decidiu os aniquilar.
Memorável e emotiva a cena final, felicidade e saúde das almas que, ainda que em meio ao horror e ao medo, se entregam a vontade de Deus.
O sentido sacrifical conferido a estes homens se vê mais claramente no capitão Andrzej, que leva acima do uniforme um pulôver de lã branca que não lhe pertence, como o cordeiro que se entrega mansamente e derrama seu sangue pela Polônia (recorde-se: poderia ter escapado quando sua esposa o foi buscar, e decidiu ficar).
Mas também onde está Cristo há um Judas, neste caso o amigo que na prisão lhe dá seu pulôver. Este é o único que sobreviverá ao grupo, somando-se ao exército de ocupação; finalmente, presa do remorso, acabará como o primeiro traidor.



O trágico:

Também a vinculação com a tragédia dota a história e aos personagens de um conteúdo universal e perene. O substrato mítico conferido pelo trágico evita que o filme caia no historicismo.
As duas irmãs do aviador que jaz nas fossas de Katyn, Agnieszka e Irene, revivem o terrível conflito das irmãs Antígona e Ismene da tragédia de Eurípedes. As duas representam duas formas de afrontar a vida cotidiana durante a ocupação soviética. Agnieszka não pode suportar viver na mentira, nem que seu irmão não tenha um tumulo. Poderia dizer como Antígona, sobre o invasor: “Não lhe é possível separar-me dos meus”, ou, já definitivamente julgada por acometer seu plano: “Eu não lhe enterrarei. Belo será morrer fazendo-o”. Sua irmã Irene, em troca, resignada como Ismene (“Não é conveniente perseguir desde o principio o impossível”), mostra a impotência de quem deseja e não pode seguir vivendo em uma situação incomoda e onde a prudência a imprudência, a frontalidade e o dissimulo, a verdade e a mentira exigem distintas decisões, onde possui papel importante a idade e o temperamento. Por isso os mais jovens, com sua natural impaciência, não podem conter-se e se lançam impulsivamente a uma resistência ativa, como o jovem sobrinho de Anna que morre rapidamente. E em tudo isso sempre marcando a vida a impossibilidade de viver em paz sem a verdade. (Com base no dito anterior, alguém que tenha assistido ao filme em mais de uma oportunidade e em uma melhor projeção que nós, nos aponta que quando a irmã do aviador sai do teatro onde vendeu seu cabelo, pode ver-se um cartaz indicador da obra de “Antígona”, que ali representa, detalhe não advertido por nós. O que pode querer dizer duas coisas: ou que Wajda substima o espectador, incapaz de advertir a analogia sem o correspondente anuncio; ou que Wajda pretende que o espectador compreenda que a tragédia não está somente dentro de uma sala, senão que nas ruas mesmas da Polônia. Como seja, a inclusão do cartaz teatral – que agora advertimos ao ver novamente o filme – nos parece redundante).
Estes episódios conformam a parte central do filme, que então parece diluir-se ante a irrupção de personagens desconhecidos até ali. A forçada passagem do tempo na história favorece tal descenso na curva dramática do filme.
Se tais profundezas se fazem presentes nas grandes obras literárias, não ocorre o mesmo – nem deve ocorrer – no cinema. Não obstante, esse aparente abandono da trama principal traduz o desassossego das mulheres que assumiram em suas vidas e em suas relações cotidianas esse corte abrupto.
O que virá será decisivo e, finalmente, revelador. Wajda tem o mérito de não querer fazer com seu filme um espetáculo, nem com sua história de amor cair no sentimentalismo habitual em diretores como Spilberg, Eastwood ou Cameron de Titanic.
Com suma consideração e austeridade revela os fatos centrais do filme, mediante o recurso excelente de revelar isso que se tema, se suspeita e se oculta, ao final do filme, porque isto é o que vai ficar gravado no espectador, o que e se leva primeiro ao sair do cinema ou terminar de ver o filme na comunidade de seu lar. Depois disso não há inibição para negar-se a ver o que deve ser visto. Aquilo que ainda que se queira cobrir sobre uma montanha de terra e sobre um manto cúmplice de silencio, ao fim sai à superfície, para além dos homens e dos tempos, porque sua luz brilha nas trevas.

Flávio Mateus (Videoteca Reduco - http://www.videotecareduco.blogspot.com/)


Poster eslovaco sobre o massacre de Katyn







Fotos do Massacre